2008-07-29

Mercador de Veneza

Há dias em que o coração, sendo nosso, parece quase um órgão externo, fora de nós, como se o pudéssemos sentir pulsando nas mãos, vermelho sangue qual tinta a escorrer pelas mãos a cada batimento. Apertá-lo tornando-o mais nosso, só faz com que o sintamos mais e mais cada batimento, com cada respirar ritmado e ao vê-lo assim nas mãos cada movimento, sendo uma necessidade, é quase uma dor!
E é nesses dias que o trecho do Mercador de Veneza ecoa na minha mente, como se de uma cantinela se tratasse:

«(...) If you prick us, do we not bleed? If you tickle us, do we not laugh? If you poison us, do we not die? And if you wrong us, shall we not revenge? If we are like you in the rest, we will resemble you in that.(...)»

2008-07-27

Ver-te dormir...

Já há tanto tempo que não sentia tantas borboletas na barriga, que estranhei a presença delas. Convenci-me de que as devia estar a criar apenas por capricho de as voltar a sentir, mas a persistência com que teimavam em fazer-se sentir, a cada paragem de descanso que lhes dava, dizia-me que ao contrário do que me repetia a cabeça, que aquela sensação familiar de electricidade em pó prestes a acumular-se à minha volta, estava de volta! Achei-me num misto de ânsia boa e má, entre o medo de poder provocar uma tempestade eléctrica quando te visse ou guardar toda a carga só para mim, por te encontrar como um isolante! E nunca pensei que a passagem de corrente conseguisse ser ao mesmo tempo forte, constante e perfeitamente controlada!
E como oferta final, vejo-te a dormir com um abandono tal, que a única coisa que desejo é ter a capacidade de te manter assim, de não criar nenhum traço que estrague essa expressão suave do rosto, essa capacidade física de entregares com toda essa candura!

2008-07-23

Tecelã

Não sei quanto tempo foi preciso passar para o tear parecer esta peça de madeira meio tosca, quase votada ao abandono! Agora o pó acumula-se pelo estúdio, como se há já muito tempo aqui nada fosse criado! As meadas estão espalhadas e parecem de cor indefinida, a mesma está perdida entre o pó que deixei acumular. A tela por outro lado, continua fixa, à espera que una fios a formar o desenho que ela mostra. Estranhamente não a deixo ter um desenho fixo, as cores alternam, as formas transmudam-se e talvez por isso tenha deixado de tecer o que quer que seja com estas meadas invisíveis vendo uma tela que não quero à minha frente!

Mas curiosamente, é agora ao ver as ameaças de teias de aranha em volta de tudo isto, que me nasce do fundo das entranhas a certeza de que vou ser eu a acabar de tecer a tela! Todos os fios podem continuar translúcidos durante uma infinidade de tempo, posso mesmo não ver a forma final que quero tecer, mas tenho a certeza de que lhe vou juntar todas as cores do arco-íris e ao chegar ao fim será a minha tapeçaria!

2008-07-13

Desalinhamento astrológico


Obedecendo as marés às ordens da lua, como se da batuta de um maestro se tratasse, como seres compostos de água, como não nos acharmos de quando em vez encurralados num vai e vem não ditado por nós? E enquanto a lua joga com todos os seus amigos astros um qualquer alinhamento que nos transcende, só nos pode restar não tombar enquanto colhemos o desalinhamento que nos sobra como resultado dos eventos que não gostamos, não pedimos e ainda assim, temos absorver, como se à mercê da maré estivéssemos!