2003-09-26

Será falta de ... ?

Sexta de manhã. O peso da semana já está acumulado nos ombros, nas costas, por dentro, parece um pacote chumbo enorme. O cansaço que este chumbo provoca não me deixa ser bem comportada e ir de transportes públicos...
O trânsito para Lisboa começa a estar caótico. Obedece àquelas regras que nunca percebi muito bem: num momento está completamente parado, para passar para um movimento em manada de mais de 100Km/hora!! Já desisti de perceber.
À minha frente está uma fase de pára arranca, seguida de “vamos andar muito devagarinho”. Eu pessoalmente prefiro ir andando devagarinho a ter que fazer arranques parvos, seguidos de travagens bruscas, porque afinal a fase de andar ainda não tinha chegado! Mas o meu vizinho de trás não concorda comigo. Nem ele, nem a mulher. Estão ambos de óculos escuros, com feições e expressões a lembrar os espiões russos nos filmes americanos na altura da guerra fria, a gesticular para eu andar, para ir mais depressa ou para encostar à faixa da direita. Incrédula olho para a frente: quando muito há espaço para três carros. Vão adiantar muito se eu sair da frente! Enfim.... continuo a andar devagar, acelero apenas um pouco, quase a querer gozar um bocadinho com eles! Entretanto vou estudando das reacções. As expressões continuam rijas, inflexíveis, o tema da conversa ainda deve ser a minha pessoa...
Quais as razões que levam um casal a estar tão mal humorado logo pela manhã e tão sem conversa que o meu comportamento de trânsito é um bom mote? Será a falta da queca matinal?

2003-09-22

Cenas desgarradas

Vejo à minha frente um pequeno barco a remos, pintado de verde. Nalgumas zonas do casco já se vê a madeira. Apenas umas tiras pequenas onde o tempo e o sal comeram o verde, como que pinceladas de uma outra mão. O barco vai pesado, quase a tornear com os três pescadores lá dentro a fazerem as suas danças rotineiras procurando manter o equilíbrio com os pequenos empurrões e safanões do mar. Pelo movimento deles imagino que estejam a mexer nas redes. E o movimento das gaivotas dá-me razão. Rodopiam em torno do barco, dentro de água, perto do casco ou no ar em torno das cabeças dos pescadores num choro contínuo a pedinchar peixe! Sempre confiantes que alguma coisa vai surgir baseadas, talvez, num resultado empírico já apreendido pela sua espécie.
Mas o barulho que me chega aos ouvidos traz-me o resto do cenário, ao longe os cargueiros ganham de novo corpo, tal como o comboio para Lisboa, onde é mais difícil criar estas aguarelas soltas das imagens que vemos.

2003-09-16

Os cromos sairam a rua num dia assim!

Tirando o atraso da praxe, pelo qual mereci de mim mesma um raspanete para ver se me consigo incutir mais disciplina. Nada no desenrolar dos minutos me fazia adivinhar um começo de dia atribulado. Mas iria ter alguns encontros imediatos com os chamados cromos do volante! Tendo em linha de conta que não há muitos repetidos, não é nada de espantar, bem sei, mas que querem?

Cromo um:
Cá estou eu no meu renault descapotável vermelho. E que tem? E que tem o facto de ter mais de 10 anos? Não é vermelho? Não é descapotável? Quase não cabemos os dois? Azar! Eu sou gajo e tenho um descapotável vermelho! Encolhe-te!
(Sim senhor, que remédio)

Cromo dois:
Ainda bem que o chefe me deixou vir com o comercial da empresa. Isto agora e que vai ser apertar com o carro! Vou começar já nesta curva larga, vou apertar, alongar a minha trajectória. Olha, olha, vem uma tipa a descer para aqui. No problem! E da maneira que testo já a maquina na razia matinal!
(O que vale é que a tipa ia devagar!)

Cromo três:
Foge! Não era para aqui que eu queria vir. Não faz mal, faço a inversão de marcha mesmo aqui, num instante. Os outros bem podem esperar um pouco, não lhes faz mal nenhum! O melhor é abrir a janela, assim podem admirar os meus óculos espelhados, a minha barbicha cheia de estilo e é claro a dance music potente que vem do meu rádio!
(Claro! A discoteca portátil a esta hora da manhã, é o meu sonho).

E pensar que tudo isto aconteceu em menos de 10 minutos! O dia promete!

2003-09-12

Aqui não está ninguém, o cérebro foi de férias

Há dias assim, o despertador começa a funcionar só porque lhe apetece. Podia ser um despertador sensível, perceber que não estou em condições de acordar, que é cedo demais, que hoje é mesmo cedo demais! Mas não. Toca sempre à mesma hora imbecil! Ao ouvirem o despertador os meus felinos domésticos começam a reivindicar atenção, miam baixinho, enroscam-se mais perto... «Sim, sim... Vou só dormir mais um bocadinho, só mais um bocadinho, ok?». Mas por mais bocadinhos que sejam, o sono fatiado pouco valor tem! Ok, desisto! Eu levanto-me!

Hoje... hoje tinha coisas para fazer de manhã, o que era? Não me lembro. Hum... vou começar a despachar-me.
Estou na cozinha porquê? Porque raios, vim eu à cozinha? Hello? Socorro! Não está cá ninguém, o cérebro pelos vistos foi de férias! Ah! Já sei: para fazer o lanche para levar! Ufa!

O que é que eu queria arrumar, o que era? O que vinha eu buscar? Chiça! O cérebro foi mesmo de férias! Não adianta, quando me lembrar já é tarde. Tenho que ir andando!

Será boa ideia ir de carro? Será que o cérebro vai ligar o modo de condução, ou esse também está de férias? Que disparate o meu, até parece que não conduzo em Lisboa! Temos sempre o privilégio de encontrar outras almas tão ou mais perdidas que nós! E acabamos por perder a sensação de sermos nós os estranhos! Se calhar todos os cérebros de Lisboa foram de férias!

2003-09-10

Deus quando criou o mundo fodeu-nos bem

Esta frase pode ser lida a saída da estação de Entrecampos num muro em frente. A primeira vez que a vi deu-me vontade de rir, uns dias depois já remoía e resmungava em pensamento que nada podia ser mais verdadeiro! A figura divina só podia ter um humor muito retorcido! É claro que só podia ser um daqueles dias em que parece que estamos a servir de bobo da corte para o senhor lá de cima!! Um pouco como o dia de hoje, aliás.
Só me consegui levantar uma hora depois do meu plano inicial. Estava tão cansada que parece que levei porrada... Começo a resmungar comigo mesma: "devias ter-te levantado logo, precisas de fazer exercício. Depois não te queixes!".
Mesmo assim, consegui despachar-me em pouco menos de uma hora e durante esse tempo todo bocejei de 5 em 5 minutos: o espirito ideal para um belo exercício matinal, claro está!

Raios! O semáforo nunca mais fica verde! Bolas! Acabei de ouvir o comboio a passar, agora é que não o apanho mesmo. Agora não vale a pena ter pressa!... O gajo lá de cima sá pode mesmo andar a brincar comigo! Enquanto vou a ruminar isto tudo e a refilar comigo e com meio mundo, a frase assalta-me novamente: "Deus quando criou o mundo fodeu-nos bem!" Efectivamente!

Sento-me preparada para esperar. O mar esta com uma cor linda a cintilar com a luz do sol. Azul forte no céu, azul brilhante no mar! Pois é, de facto Deus fodeu-nos bem. Deve ser por isso que já estou a sorrir quando vejo todo este azul, enquanto penso no meu atraso... Ele fodeu-nos bem e nos pelos vistos gostamos de ser mal pagos pelo serviço!!