2008-05-29

Dias de fuga


Há dias em que me largava. Largava o dia a dia, largava o trabalho, vestia-me de outra e ia passar um dia incógnita! Sem motivo nenhum especial, só para me dar descanso, mostrar-me ou lembrar-me que posso ser outra, ou ser mais quando assim o quero!

E assim, fugida de mim mesma, poderia escolher sem resguardo se seria eu a sair largar o casulo e deste modo virar borboleta de mil e uma cores para todos os espantar sem me deixar apanhar ou se pelo contrário, deixaria a porta aberta, sem metamorfoses…

Talvez porque me faço falta, ainda que de mim fuja, a mim volto sempre: borboleta ou larva, com ou sem casulo!

2008-05-24

Em estado bruto

Diz-se dos diamantes em estado bruto que têm uma beleza inerente que está à espera de ser lapidada para se transformar numa bela pedra para colocar num anel ou noutro adorno qualquer com um brilho capaz de nos deixar de boca bamba ou não fossem os diamantes, “the girls best friends”!
Embora não tenha presenciado muito, creio que as pessoas também têm uma espécie de atributos em bruto; beleza, inteligência, que não podendo ser lapidados, com recurso a paciência e algum treino, podem revelar-se no seu potencial máximo nas pessoas. Basta às vezes que alguém o consiga ver, naquele estado de carbono transparente, puro!

Esta manhã, divagando pelo mercado em Loulé tive a certeza de um encontro com um homem de beleza em estado puro! E durante uns minutos tive a certeza que estávamos perdidos num olhar de medição, como se não houvesse envolvência de espécie alguma ao nosso redor! E o momento não se perdeu, apenas se reencontrou na segunda passagem que fiz. E guardei nos sorrisos trocados, aquele tom caramelo e aqueles olhos verde azeitona, a certeza que de certo modo tínhamos iluminado mais o dia um do outro!
Às vezes custa tão pouco semear um pouco de luz…

2008-05-19

Ritos

Tal como dizia a raposa ao principezinho, sobre os ritos:

«(…) É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!(…)»

A semana passada dei por mim a aceitar o jornal “Meia-Hora” em automático. Aceitei-o com o mesmo pensamento dos últimos tempos: vou levá-lo para que o leias, já que é o teu preferido. Este gesto, tão irrelevante, tão pequeno e tão leve já era para mim uma espécie de rito. A minha maneira de te mostrar que me lembrava de ti. E já não me lembro se foi o meu cérebro a lembrar-me primeiro que já lá não ias estar para te entregar o jornal ou se foi o meu corpo, com o sorriso triste que se me rompeu no rosto enquanto segurava no jornal… e se tinha dúvidas se teriam ou não sido criados laços, as mesmas desapareceram com a certeza de que um acto tão banal como a entrega de um diário “à borla” estará sempre ligado a ti, não um diário qualquer, mas aquele que elegeste como o teu preferido! E apesar da mossa inicial ter sido logo notada, valendo-me a tentativa do vitupério temperamental, também eu sei, por estes pequenos nadas que me lembram de ti, estes “pequenos trigos”, que fui cativada e não tive que pedir por favor!

Obrigada!

2008-05-14

Aninhados?...

Nunca gostei da sensação desconfortável do frio, principalmente daquele que se entranha, que nos gela a cara e que parece ter sempre maneira de soprar por dentro do casaco como se soprasse pela pele a fora, provocando invariavelmente um arrepio que faz com que eu, em particular, me encolha involuntariamente.Esta noite enquanto cruzava os braços para me distrair do frio pensava em como seria agradável estar no sofá a ver um filme no conforto do teu abraço onde nunca há frio, quando a montra do meu lado esquerdo espreita um sofá convidativo e naqueles ímpetos que por vezes me assaltam, aquele sofá com a sua montanha de almofadas pareceu-me o sítio ideal para me aninhar a ti.
E num ápice não há frio nem desconforto, apenas a lembrança do último desafio que ficou por cumprir!

2008-05-12

Temperamental como vitupério?

Não, obrigada!

Segundo o dicionário, temperamental:

adj. 2 gén.,
relativo a temperamento;
de carácter emotivo;
s. 2 gén.,
pessoa que age ou reage de acordo com o seu estado de humor.


Pessoalmente, não considero que alguém que haja com base no seu estado de humor, assumindo que este não é sempre negativo, rancoroso ou resmungão, não me parece necessariamente mau. No entanto, quando dito “és mesmo temperamental”, nunca soa a elogio, pois não? E ainda que seja dito como um vitupério, como uma ofensa largada como se quem a recebesse estivesse num outro plano, ainda assim, qual o plano mais baixo?! O de quem reage com o que tem cá dentro, ou o de quem por nada ter dentro, não reage?
E já agora porque as palavras não podem ser apenas palavras e seja por comparação ou entoação, saltam num ápice a fronteira do louvor para o ultraje?

2008-05-07

Meio gás

Desde a primeira vez que ouvi na rádio a voz da Manuela Azevedo a entoar o "Tira a teima", que não pude deixar de sorrir ao ver uma face de mim escrita e cantada por outrem com uma acutilância quase assustadora! Lembro-me o “não funciono a meio gás” ficou a martelar-me o espírito durante algum tempo.






Não deixa de ser curioso que seja na altura em que a música ecoa em mim como se toda eu fosse um instrumento parte integrante do alinhamento, que deixo de ter chão para querer fugir de ti, que me deixo ficar, sabendo que ao fazê-lo estou a abrir a porta ao fogo que nos engole! E agora que sei que assim é, quem será o sujeito em «(…) fere, rasga e queima(…)»?

2008-05-05

Ponto de desequilíbrio

Caminho pelo muro enquanto procuro manter os meus pratos em equilíbrio. O conteúdo dos pratos varia à medida que a paisagem envolvente dos terrenos atravessados pelo muro vão alterando.

Mas há paisagens mais exuberantes que outras e dou por mim com pratos a menos para tanta variedade a pesar, a medir, a gerir! Espalho-me entre o olhar que tudo quer alcançar, devorar e o acto mecânico que teimo em repetir para garantir que continuo segura em cima do muro.

Enquanto a procura constante não me forçar o desequilíbrio para um dos lados, até quando vou manter tudo o que me alimenta nos pratos da balança?