2008-11-27

Caindo pela toca do coelho


Não fui atrás de coelho nenhum, é um facto, e nem tão pouco tenho recordação de ter tido medo, de ter tido aquela sensação vertiginosa de cair sem fim para o desconhecido. Lembro-me apenas de um pequeno formigueiro, como aqueles que antecedem uma tomada de decisão, um mergulho. Mas assim que decidi que o fazia, creio que o meu corpo não estranhou a toca, nem a descida, nem mesmo o se encontrar num sítio completamente diferente!
Uma vez descida a toca do coelho, é tudo visto a uma luz diferente. Os jardins são mais jardins e todos os pormenores merecem ser notados e comentados. Até os chapeleiros loucos, ganham a relevância que merecem, com a classificação que há muito deviam ter.
Obrigada por construíres comigo um país das maravilhas, com a naturalidade de quem também caiu pela toca do coelho!

2008-11-02

A antecipação de ti

Passei a semana toda a tecer uma surpresa para hoje. Todo o tempo que me sobrou, dediquei-o a magicá-la nas suas diferentes variantes e de certa forma foi como se estivesses sempre comigo...
Agora que hoje chegou, a antecipação do dia, deu-me um nervoso miudinho e tenho medo de ter tecido uma tela que não gostes... e que por causa disso, fique mal na fotografia! Um pouco como se fosse um teste e eu estivesse em risco de um chumbar, e sei bem que quero passar!
Conto os minutos para estar à tua espera e ao mesmo tempo desdenho essa altura em que vou estar sozinha no meio de uma multidão desconhecida, com todos os meus disparates a assombrarem-me na agonia de nunca mais chegares, na suspensão do julgamento que o teu olhar ditar, quando finalmente os nossos olhos se cruzarem!

2008-10-30

Não me rasgar

Se pudesse largar-me, hoje a minha pele ficaria enrugada, gasta, pronta para o cesto da roupa suja. Pudesse eu livrar-me dela dessa forma, e tê-lo-ia feito, sem hesitar! Como se rasgar-me, implicasse ser outra ou talvez poder ser eu mesma... sobretudo estar eu também longe daqui! Essencialmente, para poder respirar um outro ar e saber nesse instante que eu ainda aqui estou! Que apesar do carrossel, que apesar da minha pele me pesar, que apesar desta ânsia de me largar para poder ser, eu continuo aqui!
E constatar que é das tuas palavras singelas que me chega a calma para me colocar em mim novamente, apesar da pele amarrotada, apesar do peso, apesar da ausência, é a um mesmo tempo reconfortante e assustador!

2008-10-20

Sem ponte, nem margem

Pelas alturas em que tenho a certeza de estar não só na mesma margem que tu, mas no mesmo espaço/tempo, causa-me uma estranheza imensa, quando te acho na outra margem sem ter lembrança de ter tomado o caminho de ponte alguma, sem mesmo a ver por perto, sem ver caminho algum de volta! Parece-me tão irreal a separação, que chego a questionar a proximidade!
E de um arrombo só, é como se precisasse do teu
ar, para voltar a perder a noção do espaço, do tempo e saber que sem ponte, vamos estar na mesma margem, como se de facto nunca tivessem existido margens!

2008-10-05

doce embalo

Já me tinha esquecido do sentimento doce de ser embalada. Acho que o tinha perdido, no meio da imagem de fortaleza. Não deixa de ser engraçado, que os esquecimentos assim, tornam tudo tão distante... o eco de me deixar ser embalada, ou mesmo de me dar espaço para o ser, perdeu-se no embate da minha muralha!
Sei bem que apesar de me achar necessitada de remendos, contar com os teus dotes de costureiro, que desconheço, avançar sem ter a linha própria linha e agulha à mão, é um salto quase impossível, mas ver que estarias disposto a ser alfaiate por uns momentos, é o suficiente para esquecer o a minha caixa de costura!
E é no ver-me remendada por suturas que não são as minhas, que me relembra o gosto doce de me deixar estar, de me perder só porque me apercebi que posso! De não querer voltar a subir a muralha, porque aqui, neste embalo doce durmo melhor, respiro melhor e talvez chegue mesmo a ser melhor!

2008-09-08

Pequenos, grandes nadas

Desde a primeira vez que vi aquela chaise longue arredondada e espaçosa, à espera dos primeiros clientes originais que a escolhessem como acento, que a quis experimentar. Mas por inúmeras vezes, ficou sempre para uma outra vez... ou porque não me via lá com a companhia do momento ou porque as companhias estavam mais preocupadas com a estranheza que lhes pudesse causar acharem-se em lugar de destaque!
E depois... só porque eu verbalizei que o queria, aceitaste o poiso, com a mesma naturalidade de quem se senta num outro lugar qualquer, com o mesmo sorriso aberto de sempre e eu guardei a sensação de não ser mais estranha que os outros, por sempre ter querido estar ali, esponjada nas almofadas!
No fundo, são estas pequenas oferendas que chegam sem termos pedido, sem estarmos à espera e sem termos visionado que sabem como pérolas e que agradecemos sem palavras da mesma forma!

2008-09-06

Mamma mia!

É como sair com as músicas do ABBA dentro da nossa cabeça, a serem entoadas ao virar de uma esquina qualquer sem aviso prévio, guardarmos a imagem de pessoas inesperadas a cantar e a dançar, como se nada importasse à excepção daquele momento! E como esse sentimento positivo, é como se pudéssemos alcançar o mundo com um abraço só!

2008-08-28

Fora eu peixe...

... e poderia prolongar a sensação de estar dentro de água. Prolongar o sentimento de me desligar daqui, prolongar o ser apenas eu!
O sentimento de pertencer ao ambiente envolvente, de conseguir mergulhar em pleno no mesmo, de aceitar o abraço da água com a certeza absoluta que na entrega vou boiar pelo simples facto de falarmos a mesma linguagem!

2008-08-26

Sem linguagem

Que a linguagem é uma fonte de mal entendidos, já dizia Saint-Exupery, o que me apanhou de surpresa foi que a ausência de palavras pudesse dizer muito mais! Não ligar ao marcar do tempo, preencher o espaço apenas connosco, e saber cá dentro entender cada sinal, sem precisar de estender a comunicação a uma mera articulação de palavras, sentir que vai existir simplicidade em cada gesto com linguagem própria!

2008-08-18

Soldado sem contrapasso

No meio da praça, com todas as fardas iguais e em formação, todos os soldados parecem um só. É preciso tocar a corneta, para dar inicio à marcha e só aí.... no meio de todos os passos acertados, que apenas uma farda se desloca fora de tempo, fora de formação, sem contrapasso possível para readquirir a marcha!
E que bem que se nota, este ponto, sozinho, tão diferente! Que bem que entretém os olhos cansados do marasmo que a marcha repetida ao som da mesma corneta de sempre, impõe.
Mas será que por detrás destes olhos entretidos, haverá a consideração sobre o peso que as botas, assim tão fora de marcha, têm? O peso que as mesmas assumem nos pés do soldado que não o é?

2008-08-11

Cruzes

Se é verdade que poucas vezes consigo tirar o fato de bombeiro, outros dias há em que sem o pedir, sinto o peso de uma cruz em cima, como se soubesse que a mesma já aterrou ou vai aterrar dentro em breve nos ombros de alguém perto... É um peso incomodativo pois nunca sei de onde ele vem, é um peso que não sendo meu, o sinto latejar sem controlo, até que o mesmo ganha uma pulsação só sua, independentemente do que possa ou não fazer.
E se reconhecer a cruz nos ombros dos outros me traz o alívio de tomar conhecimento da sua origem, troco-o pelo preço de saber que o pouco tempo em que a carreguei em mim e me enervou, em nada te aliviou o peso dela! E às vezes não sei qual destes pratos da balança mais me pesa!

2008-08-06

Peter Pan perdida

Sempre gostei do Peter Pan, do guarda-roupa verde a lembrar o Robin dos Bosques e sobretudo daquele truque fantástico de cruzar os céus apenas com os braços abertos, como se pudéssemos planar apenas porque temos pensamentos felizes! Isso e ter uma terra do nunca, mesmo ao virar da esquina de uma qualquer nossa nuvem vizinha, já aqui ao lado! As lutas com piratas, dispenso, mas tudo o resto, até ter uma fada própria, ocupou a minha imaginação durante muito tempo! Lembro-me de me colocar de pé sobre a cama, apoiar-me em bicos dos pés e sonhar que ao esticar os braços já estaria a voar!
E mesmo agora, quando à minha volta, parece que já não há mais «meninos perdidos», em certos recantos, ainda que só meus, haverá sempre uma "Terra do Nunca", à esquerda de uma nuvem, sempre em frente!

2008-08-02

À espera da bonança...

Ou a criar força para fazer a minha própria bonança já que sou tão pródiga em criar as minhas próprias tempestades!...
Mas por algum motivo imbecil, tenho sempre mais facilidade em me deixar arrastar pelos meus cenários tempestuosos e agrestes, que esperar pelo sol que vai brilhar, ou acreditar que isso vai acontecer, ou ter a certeza que sou capaz de o fazer acontecer! Geralmente tenho que chegar à paz com o meu lado artístico que me dita: «Better to have loved and lost than never to have loved at all» para me recordar das outras minhas partes... de acreditar, que sou forte o suficiente, que seja qual for a pele a vestir, seja qual for o jogo que tenha que jogar, tenha eu que usar todas as minhas facetas ou não, é só a mim que cabe escolher o próximo passo a dar! Pode ser que ainda tenha dias de tempestade a aguentar, posso mesmo fazer chover ainda um bocado à minha volta... mas seja qual for o cenário a seguir, eu vou interpretar um dia solarengo, quanto mais não seja, porque eu o mereço!

2008-07-29

Mercador de Veneza

Há dias em que o coração, sendo nosso, parece quase um órgão externo, fora de nós, como se o pudéssemos sentir pulsando nas mãos, vermelho sangue qual tinta a escorrer pelas mãos a cada batimento. Apertá-lo tornando-o mais nosso, só faz com que o sintamos mais e mais cada batimento, com cada respirar ritmado e ao vê-lo assim nas mãos cada movimento, sendo uma necessidade, é quase uma dor!
E é nesses dias que o trecho do Mercador de Veneza ecoa na minha mente, como se de uma cantinela se tratasse:

«(...) If you prick us, do we not bleed? If you tickle us, do we not laugh? If you poison us, do we not die? And if you wrong us, shall we not revenge? If we are like you in the rest, we will resemble you in that.(...)»

2008-07-27

Ver-te dormir...

Já há tanto tempo que não sentia tantas borboletas na barriga, que estranhei a presença delas. Convenci-me de que as devia estar a criar apenas por capricho de as voltar a sentir, mas a persistência com que teimavam em fazer-se sentir, a cada paragem de descanso que lhes dava, dizia-me que ao contrário do que me repetia a cabeça, que aquela sensação familiar de electricidade em pó prestes a acumular-se à minha volta, estava de volta! Achei-me num misto de ânsia boa e má, entre o medo de poder provocar uma tempestade eléctrica quando te visse ou guardar toda a carga só para mim, por te encontrar como um isolante! E nunca pensei que a passagem de corrente conseguisse ser ao mesmo tempo forte, constante e perfeitamente controlada!
E como oferta final, vejo-te a dormir com um abandono tal, que a única coisa que desejo é ter a capacidade de te manter assim, de não criar nenhum traço que estrague essa expressão suave do rosto, essa capacidade física de entregares com toda essa candura!

2008-07-23

Tecelã

Não sei quanto tempo foi preciso passar para o tear parecer esta peça de madeira meio tosca, quase votada ao abandono! Agora o pó acumula-se pelo estúdio, como se há já muito tempo aqui nada fosse criado! As meadas estão espalhadas e parecem de cor indefinida, a mesma está perdida entre o pó que deixei acumular. A tela por outro lado, continua fixa, à espera que una fios a formar o desenho que ela mostra. Estranhamente não a deixo ter um desenho fixo, as cores alternam, as formas transmudam-se e talvez por isso tenha deixado de tecer o que quer que seja com estas meadas invisíveis vendo uma tela que não quero à minha frente!

Mas curiosamente, é agora ao ver as ameaças de teias de aranha em volta de tudo isto, que me nasce do fundo das entranhas a certeza de que vou ser eu a acabar de tecer a tela! Todos os fios podem continuar translúcidos durante uma infinidade de tempo, posso mesmo não ver a forma final que quero tecer, mas tenho a certeza de que lhe vou juntar todas as cores do arco-íris e ao chegar ao fim será a minha tapeçaria!

2008-07-13

Desalinhamento astrológico


Obedecendo as marés às ordens da lua, como se da batuta de um maestro se tratasse, como seres compostos de água, como não nos acharmos de quando em vez encurralados num vai e vem não ditado por nós? E enquanto a lua joga com todos os seus amigos astros um qualquer alinhamento que nos transcende, só nos pode restar não tombar enquanto colhemos o desalinhamento que nos sobra como resultado dos eventos que não gostamos, não pedimos e ainda assim, temos absorver, como se à mercê da maré estivéssemos!

2008-06-26


Da primeira vez que me deixei cair no teu embalo, a ausência de palavras em excesso foi de tal forma forte, que me teria deixado ir sem precisar de conferenciar comigo mesma! Soube que só podíamos ter-nos cruzado num outro tempo, noutra vida em que talvez nos tenhamos perdido!...

E agora que estás perdido nos arranjos que deveriam ser os nossos, sei que apenas te estou a ver pelo vidro da carruagem, noto o teu rosto distante, a sujidade do vidro, o quão embaciado o mesmo está, e o teu reflexo que passa...

Mas ainda que a os comboios agora se partem, é pelos nossos olhares que sei que as nossas almas aguardam a próxima paragem!

2008-05-29

Dias de fuga


Há dias em que me largava. Largava o dia a dia, largava o trabalho, vestia-me de outra e ia passar um dia incógnita! Sem motivo nenhum especial, só para me dar descanso, mostrar-me ou lembrar-me que posso ser outra, ou ser mais quando assim o quero!

E assim, fugida de mim mesma, poderia escolher sem resguardo se seria eu a sair largar o casulo e deste modo virar borboleta de mil e uma cores para todos os espantar sem me deixar apanhar ou se pelo contrário, deixaria a porta aberta, sem metamorfoses…

Talvez porque me faço falta, ainda que de mim fuja, a mim volto sempre: borboleta ou larva, com ou sem casulo!

2008-05-24

Em estado bruto

Diz-se dos diamantes em estado bruto que têm uma beleza inerente que está à espera de ser lapidada para se transformar numa bela pedra para colocar num anel ou noutro adorno qualquer com um brilho capaz de nos deixar de boca bamba ou não fossem os diamantes, “the girls best friends”!
Embora não tenha presenciado muito, creio que as pessoas também têm uma espécie de atributos em bruto; beleza, inteligência, que não podendo ser lapidados, com recurso a paciência e algum treino, podem revelar-se no seu potencial máximo nas pessoas. Basta às vezes que alguém o consiga ver, naquele estado de carbono transparente, puro!

Esta manhã, divagando pelo mercado em Loulé tive a certeza de um encontro com um homem de beleza em estado puro! E durante uns minutos tive a certeza que estávamos perdidos num olhar de medição, como se não houvesse envolvência de espécie alguma ao nosso redor! E o momento não se perdeu, apenas se reencontrou na segunda passagem que fiz. E guardei nos sorrisos trocados, aquele tom caramelo e aqueles olhos verde azeitona, a certeza que de certo modo tínhamos iluminado mais o dia um do outro!
Às vezes custa tão pouco semear um pouco de luz…

2008-05-19

Ritos

Tal como dizia a raposa ao principezinho, sobre os ritos:

«(…) É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!(…)»

A semana passada dei por mim a aceitar o jornal “Meia-Hora” em automático. Aceitei-o com o mesmo pensamento dos últimos tempos: vou levá-lo para que o leias, já que é o teu preferido. Este gesto, tão irrelevante, tão pequeno e tão leve já era para mim uma espécie de rito. A minha maneira de te mostrar que me lembrava de ti. E já não me lembro se foi o meu cérebro a lembrar-me primeiro que já lá não ias estar para te entregar o jornal ou se foi o meu corpo, com o sorriso triste que se me rompeu no rosto enquanto segurava no jornal… e se tinha dúvidas se teriam ou não sido criados laços, as mesmas desapareceram com a certeza de que um acto tão banal como a entrega de um diário “à borla” estará sempre ligado a ti, não um diário qualquer, mas aquele que elegeste como o teu preferido! E apesar da mossa inicial ter sido logo notada, valendo-me a tentativa do vitupério temperamental, também eu sei, por estes pequenos nadas que me lembram de ti, estes “pequenos trigos”, que fui cativada e não tive que pedir por favor!

Obrigada!

2008-05-14

Aninhados?...

Nunca gostei da sensação desconfortável do frio, principalmente daquele que se entranha, que nos gela a cara e que parece ter sempre maneira de soprar por dentro do casaco como se soprasse pela pele a fora, provocando invariavelmente um arrepio que faz com que eu, em particular, me encolha involuntariamente.Esta noite enquanto cruzava os braços para me distrair do frio pensava em como seria agradável estar no sofá a ver um filme no conforto do teu abraço onde nunca há frio, quando a montra do meu lado esquerdo espreita um sofá convidativo e naqueles ímpetos que por vezes me assaltam, aquele sofá com a sua montanha de almofadas pareceu-me o sítio ideal para me aninhar a ti.
E num ápice não há frio nem desconforto, apenas a lembrança do último desafio que ficou por cumprir!

2008-05-12

Temperamental como vitupério?

Não, obrigada!

Segundo o dicionário, temperamental:

adj. 2 gén.,
relativo a temperamento;
de carácter emotivo;
s. 2 gén.,
pessoa que age ou reage de acordo com o seu estado de humor.


Pessoalmente, não considero que alguém que haja com base no seu estado de humor, assumindo que este não é sempre negativo, rancoroso ou resmungão, não me parece necessariamente mau. No entanto, quando dito “és mesmo temperamental”, nunca soa a elogio, pois não? E ainda que seja dito como um vitupério, como uma ofensa largada como se quem a recebesse estivesse num outro plano, ainda assim, qual o plano mais baixo?! O de quem reage com o que tem cá dentro, ou o de quem por nada ter dentro, não reage?
E já agora porque as palavras não podem ser apenas palavras e seja por comparação ou entoação, saltam num ápice a fronteira do louvor para o ultraje?

2008-05-07

Meio gás

Desde a primeira vez que ouvi na rádio a voz da Manuela Azevedo a entoar o "Tira a teima", que não pude deixar de sorrir ao ver uma face de mim escrita e cantada por outrem com uma acutilância quase assustadora! Lembro-me o “não funciono a meio gás” ficou a martelar-me o espírito durante algum tempo.






Não deixa de ser curioso que seja na altura em que a música ecoa em mim como se toda eu fosse um instrumento parte integrante do alinhamento, que deixo de ter chão para querer fugir de ti, que me deixo ficar, sabendo que ao fazê-lo estou a abrir a porta ao fogo que nos engole! E agora que sei que assim é, quem será o sujeito em «(…) fere, rasga e queima(…)»?

2008-05-05

Ponto de desequilíbrio

Caminho pelo muro enquanto procuro manter os meus pratos em equilíbrio. O conteúdo dos pratos varia à medida que a paisagem envolvente dos terrenos atravessados pelo muro vão alterando.

Mas há paisagens mais exuberantes que outras e dou por mim com pratos a menos para tanta variedade a pesar, a medir, a gerir! Espalho-me entre o olhar que tudo quer alcançar, devorar e o acto mecânico que teimo em repetir para garantir que continuo segura em cima do muro.

Enquanto a procura constante não me forçar o desequilíbrio para um dos lados, até quando vou manter tudo o que me alimenta nos pratos da balança?

2008-03-27

Like a bridge


over troubled water

tenho pensado muitas vezes na letra desta música. Sempre gostei da ideia de alguém poder ser a nossa ponte e nos livrar de toda e qualquer tempestade e sempre quis acreditar que eu também conseguia ser a ponte se necessário fosse, pelo menos para ti.
E agora que gostava de estender-me até à outra margem, garantir-te salvo-conduto por entre o mar revolto, sinto que sou apenas carne, fraco material para alicerces!

2008-03-15

The wind beneath my wings

Já não me lembro de quando vimos este filme. Sei que insististe que víssemos as duas porque as do filme eram tão amigas como nós e de certa forma tão iguais e diferentes como nós. E eu vi contigo, por certo com pipocas à mão, para equilibrar a choradeira que por aí vinha… e até hoje a canção do filme está e estará sempre ligada a ti, a nós!
E esta noite, que queria ter mostrada que podia não só ser o teu vento, como toda a tua força, no meio da tua fragilidade, do peso que carregas aos ombros, agora que o teu equilíbrio está prestes a sofrer um rombo tremendo, foste tu que tiveste o cuidado de me avisar para eu não ir abaixo e eu por medo engoli o choro, abracei-te o mais que pude mas fiquei com o gosto de ter sido pouco….
Vou cantarolar a nossa música, para me lembrar que tenho que saber ser o teu pilar!


Ohhhh, oh, oh, oh, ohhh.
It must have been cold there in my shadow,

to never have sunlight on your face.

You were content to let me shine, that's your way.

You always walked a step behind.

So I was the one with all the glory,
while you were the one with all the strain.

A beautiful face without a name for so long.

A beautiful smile to hide the pain.

Did you ever know that you're my hero,
and everything I would like to be?

I can fly higher than an eagle,

for you are the wind beneath my wings.


It might have appeared to go unnoticed,
but I've got it all here in my heart.

I want you to know I know the truth, of course I know it.

I would be nothing without you.

Did you ever know that you're my hero?
You're everything I wish I could be.

I could fly higher than an eagle,

for you are the wind beneath my wings.

Did I ever tell you you're my hero?
You're everything, everything I wish I could be.

Oh, and I, I could fly higher than an eagle,

for you are the wind beneath my wings,

'cause you are the wind beneath my wings.


Oh, the wind beneath my wings.
You, you, you, you are the wind beneath my wings.

Fly, fly, fly away. You let me fly so high.

Oh, you, you, you, the wind beneath my wings.

Oh, you, you, you, the wind beneath my wings.


Fly, fly, fly high against the sky,
so high I almost touch the sky.

Thank you, thank you,

thank God for you, the wind beneath my wings.

2008-03-13

Esgrima


Já sei que sei pegar na espada. Não me lembro como aprendi... Há alturas em que a sinto quase como uma extensão do meu braço, não estranho vê-la lá e nem tão pouco a rapidez com que a utilizo quando reajo em automático! Começo a compreendê-la como parte de mim, a aceitá-la.

Mas não deixo de me espantar quando estou frente a frente contigo e sem aviso prévio, sinto que já desembainhei a espada, oiço o sussurrar do metal como um deslize mudo e o mesmo vibra na minha mão com uma vontade própria e estou a aplacar as tuas ofensivas sem saber como. Há alturas que chego a duvidar das minhas qualidades de espadachim, já que considero tudo um tanto ou quanto inusitado, mas o meu braço treinado não vai parar tão cedo! E ainda que fique dorido, ainda que a espada pese toneladas, ainda que ranja os dentes para continuar a dança da batalha, não vou baixar a defesa!

2008-03-08

Fronteiras e voltar a casa

Na correria do dia à dia que se marca a um ritmo quase sempre alucinante e quase sempre por um relógio que não é o nosso, que marcha incansável, arrastando-nos de qualquer forma, nem que seja aos tropeções! E no meio de tudo isto, há alturas em que dou por mim, esquecida de mim, como se parte de mim tivesse ficado largada a um canto e sem me lembrar dela, nem reparo que já nem sou eu.

Por tudo isso, a capacidade de poder apenas falar e de certo modo sentir a minha pele enrugada ganhar forma, respirar, sorrir e lembrar-me que existe, que sou mais pessoa se o assumir e se a deixar ocupar o seu lugar, leva-me a agradecer a excentricidade de me aturares! Por me lembrares que não preciso de ter fronteiras dentro de mim de certa forma, voltar a sentir-me em casa.

2008-02-26

Quantos dos nossos pecados são apenas imaginados?

Manda a educação cristã que qualquer pensado de contornos pecaminosos que nos invade a mente, seja mencionado em confessionário para absolvição de modo a de alguma forma limparmos a intenção que nos invadiu, ainda que não tenhamos agido sobre a mesma. E invariavelmente, o tipo de associação feita em redor do “pensamento pecaminoso” aponta para o cariz sexual da coisa: “o cobiçar a mulher do próximo”, e não sejamos machistas, o “homem da próxima”!
Convenhamos: todos nós já pensamos em esmurrar alguém ou mesmo, rachar-lhes a cabeça ao meio e não nos vemos propriamente como homicidas! Afinal, é apenas um assalto momentâneo, quando alguém nos irrita para além da normalidade…

Mas as heranças da culpa católica de certa forma assombram mais quando nos vemos com lascívia, do que com um lampejo de gulodice, ganância, etc…

Talvez se possa assumir que existe um limiar que define a linha da imaginação salutar da que nos pode assombrar, ganhar peso e com isso mesmo ter vida própria e poder ser pecado. E de certa forma talvez seja mais sentida do que consciente, essa fronteira, de tal forma que a reacção de culpa surge como resposta automática, ainda que o pecado em si não tenha chegado a existir!

Dita a regra do confessionário que quem peca, assume o acto de contrição e a penitência correspondente, num pecado não consumido, diria eu que o arrependimento, se existe, bem como a culpa, se a existe, fica com quem deixa o pensamento ganhar forma própria… mas de penitência, em penitência, não há resolução!... talvez só cortando a raiz da cobiça, a consciência fique liberta