2007-12-05

Enterrar-te


Já há algum tempo que sei que te enterrei. Já o sabia, antes da cerimónia que escolhi fazer este ano. Escolhi-a, por me lembrar da alegria com que fui tirar o passaporte na expectativa da viagem que iria inaugurar o mesmo com um carimbo colorido. A mesma que esteve sempre perdida no ar, sempre num sussurro das conversas que tínhamos noite fora, nos espólios que trazias na tua mochila, vindo de um sítio qualquer perdido no mundo. Mas nem por isso o carimbo esteve perto de tocar no meu passaporte.

E depois de ter gasto mais lágrimas do que devia, depois de ter sangrado a ponto da cicatriz nunca mais desaparecer, depois de saber há já tanto tempo que ainda que os nossos caminhos se voltem a cruzar, não há linhas que nos possam coser novamente, achei que deveria representar o teu enterro com o símbolo que de certa forma marcou o fim: o carimbo que nunca estreou o meu passaporte!

E meti-me num avião e levei uma mochila comigo e mostrei a mim mesma que mesmo sem ti, eu estava a ter o meu carimbo. Mostrei a mim mesma, que não preciso de ti para fazer uma viagem diferente. Provei que não preciso de bengala e foi aí, na primeira vez que perdi o meu olhar no horizonte, com o sol a bater no fundo, que senti, mais do que soube, que já não tinha mais lágrimas para ti!